Em minha casa não tinha
toca-discos. Na casa de Vovó, sim. E sabe como é casa de avó, não é? É a casa
de todo mundo. Dos netos, dos filhos principalmente. O fato é que o
toca-discos de Vovô era o único “som” que a família tinha. Um daqueles
grandões que era também toca-fitas e rádio AM/FM. Eu gostava de mexer no grande
e prateado botão do volume. Gostava de apertar o botão REC sem fita dentro para
ver “o cabeçote chorar”. Gostava de escalar as caixas de som feitas de
compensado e espuma preta. E, como toda criança dos anos 90, gostava de mexer
nos bolachões em obsolescência. Tinha um do Chiclete com Banana já bem
acabadinho, tinha um “Parabéns para você”
que Vovô botava para tocar quando alguém comemorava aniversário lá. Tinha um do
Pink Floyd que foi comprado por engano em Feira de Santana e que, segundo um
primo mais velho, era amaldiçoado: quem escutasse pegaria fogo como o cara de
terno na capa. Tinha um disco de Xuxa, outro de Gonzagão. Tinha até um da
trilha sonora de uma novela da Globo, não recordo qual. E tinha um do Menudo.
Ninguém escutava o do Menudo. Nem a dona do disco que, àquela altura, preferia qualquer
coisa ao Menudo. Aí, um dia, munido de uma caneta Bic, me veio a ideia de intervir
artisticamente em algumas capas. Dei um dente podre à Xuxa, aumentei a
cabeleira do sovaco de Bel e fiz um bigode decente num Menudo. Sabe aquele
bigode leminskiano? Na moral, ficou melhor. Vovó só viu a arte capilar no
bolachão do Menudo, digna de um barbeiro profissa, e se retou. Não pelo disco
em si, mas pelo “vandalismo”. Descobri, na ocasião, o que significava a palavra
vandalismo. Vovó perguntou quem foi, um interrogatório da zorra. Quatro adultos
na casa e nenhum viu a arte. Muito menino na casa, nenhum cabueta. Tempinho
depois, Vovó esqueceu a traquinagem. Tempão depois, jogou o toca-discos (ninho
de cupins) no lixo. Ninguém soube quem embigodou o Menudo. Pois, chegou o dia,
parentada: foi o primo mais velho.
Outra intervenção artística numa capa do Menudo. Na moral, ficou bem melhor. |
5 comentários:
Show. Perfeito, como tudo que você faz, Man. Parabéns Ricardão. Sucesso!!!
Obrigado, Rafael! Abraço!
Uma bela crônica. Eu gosto de crônica...
Valeu, Ederbal Miranda.
Também gosto de crônicas.
De lê-las e ecrevê-las rs
Volte sempre!
Ricardo, fiquei com gosto de quero mais!!!!! Adorei mesmo!!
Muitas risadas. Por favor, traga mais histórias.
Em todas eu revivi claramente a minha/nossa infância.
Obrigada!!!!
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