3 de out. de 2015

REC #2: O mito da criação

Estudei num colégio católico. Não era um colégio de freiras, mas era católico. E “A criação do Mundo” era o nome de minha cartilha da alfabetização, ou do “pré”, como se diz até hoje por aqui. Todas a lições começavam com “Deus criou...”; em seguida, o nome de um bicho cuja inicial era a letra-tema da lição. Na primeira leitura, a gente já pegava o jeito. "Deus criou a Abelha" e quatro ases eram descartados ao lado da abelha sorridente. “Deus criou a Baleia” e desembestava o “ba-be-bi-bo-bu” em cinco estilos de fontes. Nossos dedos eram obrigados a decorar a lição para acompanhar, na mesma velocidade da voz, a leitura.  Aí é que o bicho pegava. Eu sempre gaguejava. Nos animais e no terceiro par de sílabas em diante. Era “ba-baleia”, “pe-perereca”, “ta-tatu”. E meu dedo gordo já estava lá na frente, na próxima sílaba. Na leitura do “C”, que era a penúltima (antes do “Q”, igualmente complicado para uma criança nessa fase, e depois do “Z” de “ze-zebu”), o animal escolhido foi o “cururu”. Eu comecei:
— Deus criou o Cu-cururu.
Pronto, não consegui terminar. A turma era só gargalhadas. Pronunciar o “cu” já seria constrangedor, todos sabiam. Imagina repetir a tal “sílaba proibida”? Antes de ser rebocado para a secretaria, um camarão de tanto chorar, pude ouvir uma coleguinha perguntando:
— Pró, porque Ricardo gagueja?
— Ora, porque Deus o fez assim. — respondeu prontamente a professora, como se tivesse decorado uma das lições da cartilha.
E eu, fechando o berreiro, pensei comigo mesmo: “Deus criou o ga-gago”.

Primeira lição da cartilha "Este mundo Maravilhoso",
de Eny Sarli e Esther Sarli.

2 comentários:

Unknown disse...

Puts velho foi longe heim! Parabens, era isso mesmo naquela época! Kkkkk

Ricardo Thadeu (Gago) disse...

Grande Yargo, meu brother, obrigado!