Estudei num colégio católico. Não era um colégio de freiras, mas era
católico. E “A criação do Mundo” era o nome de minha cartilha da
alfabetização, ou do “pré”, como se diz até hoje por aqui. Todas a lições
começavam com “Deus criou...”; em seguida, o nome de um bicho cuja inicial era
a letra-tema da lição. Na primeira leitura, a gente já pegava o jeito. "Deus criou a Abelha" e quatro ases eram descartados ao lado da abelha sorridente. “Deus
criou a Baleia” e desembestava o “ba-be-bi-bo-bu” em cinco estilos de fontes. Nossos
dedos eram obrigados a decorar a lição para acompanhar, na mesma velocidade da
voz, a leitura. Aí é que o bicho pegava.
Eu sempre gaguejava. Nos animais e no terceiro par de sílabas em diante. Era “ba-baleia”,
“pe-perereca”, “ta-tatu”. E meu dedo gordo já estava lá na frente, na próxima sílaba.
Na leitura do “C”, que era a penúltima (antes do “Q”, igualmente complicado para
uma criança nessa fase, e depois do “Z” de “ze-zebu”), o animal escolhido foi o
“cururu”. Eu comecei:
— Deus criou o
Cu-cururu.
Pronto, não
consegui terminar. A turma era só gargalhadas. Pronunciar o “cu” já seria constrangedor,
todos sabiam. Imagina repetir a tal “sílaba proibida”? Antes de ser rebocado
para a secretaria, um camarão de tanto chorar, pude ouvir uma coleguinha perguntando:
— Pró, porque Ricardo gagueja?
— Ora, porque Deus o fez assim. — respondeu prontamente a professora,
como se tivesse decorado uma das lições da cartilha.
E eu, fechando o berreiro, pensei comigo mesmo: “Deus
criou o ga-gago”.
Primeira lição da cartilha "Este mundo Maravilhoso", de Eny Sarli e Esther Sarli. |
2 comentários:
Puts velho foi longe heim! Parabens, era isso mesmo naquela época! Kkkkk
Grande Yargo, meu brother, obrigado!
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