Hoje, nós conseguimos acabar com a
morte. Nós não, um grupo de gringos com “Dr.” antes de seus sobrenomes enormes
com mais consoantes do que vogais. Eles venceram a morte. Nós, a vida. Eles
comemorarão o Nobel. Nós celebraremos uma garrafa d’água que sobrou de ontem. E
continuaremos "morríveis" como meros mortais que somos. Reviver
exige: dinheiro, tempo, um corpo são, alguma sorte e pouca fé. Tudo que nós não
temos. Dinheiro não existe. Tempo é trabalho. Corpo são... Com essa água... Fé é o que nos resta.
A água, aliás, está cada vez mais
barrenta. Para nós, anciões da virada do século, tomar banho de lama com cheiro
de merda é um insulto. Imagine a cara de decepção desse sujeito, que foi
ressuscitado, ao perceber que cair nos braços da criogenia não foi uma boa
ideia. Deve ser a mesma cara que a gente faz todo dia, diante das ondas que
quebram onde antes reinavam solitários os xique-xiques.
Semana que vem, farão um novo
experimento. Aquele cantor famoso que fazia caridade será revivido. Teremos um Sir de
volta à vida. Daria um mês fechado de minha aposentadoria mais duas garrafas de H2O para presenciar a cena do descongelamento:
— Senhor P., seja bem-vindo de volta!
— De volta?
— O senhor estava morto. Quer dizer...
Seu corpo foi preservado e nós conseguimos ressuscita-lo.
— Good. Onde está meu smart
phone?
— Smart phone?
— Sim, preciso postar isso em meu Twitter.
— Senhor P., precisamos conversar sobre
o futuro.
E depois de uma longa prosa sobre os
novos e velhos rumos da humanidade, o Senhor P. se convencerá de que a vida nos
anos cinquenta, sem desodorante spray no supermercado da esquina, era uma
merda; no começo dos anos dois mil, com o MP3 e as musas pop, também era uma
merda. Mas era uma merda puramente metafórica. A literalidade acaba com o
romantismo das narrativas de época. De qualquer época.
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Jimi Hendrix e Mick Jagger (1969) |
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