(Para ler ao som de "O meu país", de Flávio José, ou "500 anos de Brasil", de Adelmário Coelho. Cada qual com seu igual.)
Em
1998, estava na moda falar dos 500 anos do Brasil. E também estava na moda
falar de política. Ou melhor, estava na moda falar mal do presidente. Não como
se faz hoje nas rinhas virtuais. Falava-se mal do presidente sem culpa, sem
correr o risco de ser chamado de coxinha, PTralha, ou qualquer outro adjetivo segregador. Em suma, as discussões sobre política ainda não tinham se tornado um
Ba-Vi ridículo. Pelo menos era isso que eu, com nove anos, via e ouvia. Na rua,
todo mundo falava mal do presidente. Nas rádios, todo mundo falava mal do
presidente. Na escola, todo mundo falava mal do presidente. De repente, todos os problemas tinham se
tornado maiores porque o Brasil completaria 500 anos. “500 anos de colonização”.
“500 anos de escravidão”. “500 anos de subordinação”. E, de alguma forma, a
culpa era toda do presidente. Na escola, os mestres e alunos não falavam de
outra coisa. Perto das férias de junho, a professora de Estudos Sociais passou
um paradidático chamado “500 anos”. Um infanto-juvenil sobre um pequeno
viajante que, num barco de papel, visitava os principais eventos da história de
nosso país. Como o tal livrinho é composto apenas por imagens, nossa tarefa foi
recontar a história num pequeno texto. Só que eu saí de férias pensando apenas
nos traques, nas bombas e nas delícias culinárias do São João. Faltando um
domingo para acabar a mordomia, mainha lembrou de olhar minha agenda. Deu ruim.
Tive que parir uma história por cima de chineladas e em poucas horas. Aí, fiz o
que todo mundo fazia muito bem na época: falei mal do presidente. A culpa era
toda dele. Do desterro do menino, passando pelo enforcamento de um Tiradentes
que era a cara de Jesus e chegando ao assassinato do índio Galdino. Até citei
Gabriel O Pensador, “Hoje eu tô feliz matei o presidente”. A professora ficou
sem palavras. Recebi a nota mínima para passar e meu texto, por falta de
atributo melhor, foi eleito o mais “inventivo”. Meses depois, o presidente, motivo
de tudo (inclusive da redação), foi reeleito.
500 anos (FTD, 1998), de Regina Rennó |
4 comentários:
Muito boa, Thadeu! Estou adorando as suas recordações. Um abraço.
Kkkk. O menino já jogava duro na análise do país.
Valeu, Lidi! Abraço!
Mais ou menos, Marquinhos. O menino jogava duro mesmo comendo as guloseimas do São João! rs
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