O pior medo que eu tive no tempo de criança vivia dentro de minha
cabeça. Em algum lugar, entre o medo do escuro e o medo de lobisomem, em alguma
porta entre a do medo de careta e a do medo de doido, em alguma casa entre o
castelo do conde Drácula e o número 71 da vila do Chaves. Lá, residia o medo da
morte. Monstro primitivo que não devora crianças que não dormem cedo. Não, ele
fica escondidinho até a gente se deparar com a perda de um ente querido. Um
cachorro atropelado, um tio-avô centenário que perdeu as forças, uma vizinha
que ficou careca e depois foi morar com Deus.
— Ela morreu?
— Morreu, meu filho. Agora, ela mora no céu.
— Eu queria morar no céu.
— Bate na boca, menino!
— O céu é ruim?
— Não, é bom... um lugar bem bonito.
— Então...
— Mas só entra lá quem Papai do céu chama.
Ninguém me convidava pros aniversários. Vovó nunca deixou eu morar na
casa dela. E se Papai do Céu não me quiser lá também? Vovó conversa com ele
mais do que eu. E agora? Vou ficar pra semente? E se eu morrer sem o convite?
Vou ficar de camisa preta, assombrando o povo que nem Alexandre daquela novela?
— E quem não vai pro céu quando morre?
— Vai pro inferno, morar com o bicho de olho de fogo.
— O diabo?
— Olha a boca!
Eu não podia falar o nome do contrário de Deus, mas Tião Galinha
falava o tempo todo na novela. Era "diabinho" pra cá, "cramunhão"
pra lá. E quando o pobre lavrador galináceo morreu enforcado numa cela, minha
mãe me tapou os olhos.
— Olha isso não!
Fiquei curioso. Aquele medo, que andava escondido dentro da cabeça,
decidiu sair e coçar, como uma pulga, atrás da orelha.
— Titia?
— Oi?
— Como Tião Galinha morreu?
— Foi assim — e a tia juntou 3 medos num: careta, cara de doido e
jeito de morto.
Chorei de medo. Medo do monstro mais primitivo, daquele que continua
assombrando os homens até que eles não tenham mais uma vida pra temer. O medo
de sentir medo é mais forte que o medo do fim.
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Tereza Seiblitz (Joaninha), a Galinha e Osmar Prado (Tião) |
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