11 de out. de 2015

REC #10 (PARTE 1): Meninos de pés descalços

O doze de outubro era um dia de farra em minha rua. Enquanto umas crianças corriam pelo passeio do fórum, rebocando seus carrinhos ou acalentando bonecas, outras chutavam bolas coloridas no jardim das algarobas. Dona Tereza, vendedora de doces e gudes, quase não conseguia atender a tantos miúdos na janela de sua casa. Inclusive eu, que sempre ganhei presente no dia das crianças. Meus pais se esforçavam para comprar algum brinquedo, mesmo simples. Em 95, ganhei um tanque de guerra movido a quatro pilhas de um tamanho tão especial que meu pai não achou para comprar. Com o motor desligado, as esteiras, por onde deveriam correr as rodas, não se mexiam. Nem para trás, nem para frente. Triste, com os olhos inundados, fiquei lá admirando o caminhão-estátua. Foi quando um amigo meu chegou. Ele sempre ia lá em casa puxando seu carrinho da polícia.
— Tu ganhou esse tanque de guerra?! — perguntou o amigo fazendo festa.
— Foi, mas não anda não. Painho não achou a bateria dele.
— Tem nada não, dá para brincar com ele parado!
— Tu também ganhou um carro?
— Já tenho um carro, ganhei no ano passado.
Olhei para o carrinho da polícia numa ponta do barbante. Na outra ponta, havia um menino de pés descalços e enlameado dos pés à cabeça, vibrando com o mesmo tanque de guerra pelo qual eu chorei. Não lembro o que senti naquele momento. Vergonha, eu acho. Enquanto eu ganhava um presente diferente a cada dia das crianças (aniversário e Natal), meu amigo ganhava o mesmo todo ano. Quantas crianças da minha rua não ganhavam nem isso e estavam lá no passeio puxando caixas de sapato? Todo mundo feliz da vida.
— Bora brincar lá fora? Tá todo mundo lá.
— Bora!
Meus olhos secaram e eu fui brincar na rua. Só voltei no final da noite, de pés descalços e enlameado dos pés à cabeça.

Da série Chapolim, episódio: O menino que jogava fora seus brinquedos